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23.7.18

Medo

Medo

O medo é a sensação mais familiar que eu conheço. Todos conhecemos esta sensação mas, acreditem, eu sou capaz de a conhecer ainda melhor que muitos. A sério, a primeira vez que chorei é capaz de não ter sido por estar a respirar pela primeira vez, mas por querer ter medo do mundo exterior e querer desesperadamente voltar para o útero da minha mãe.

Medo de não saber o que dizer. Medo de ser rejeitada. Medo de não ser boa o suficiente.  Medo de não aprender. Medo de falhar. Medo do embaraço (tanto ao ponto de não suportar ver filmes com personagens que acabam sempre em situações embaraçosas). Muito, muito medo. Durante muito tempo, todas as decisões que tomei, relacionamentos e experiências foram controladas pelo medo. Até se tornar cansativo. 

Em muitas situações da minha vida eu tinha medo. Porque é que eu tinha todos estes medos eu não sabia. Às vezes, pareciam ilógicos e completamente aleatórios. Mas quando eu comecei a refletir melhor nesta questão, reparei que tinham algo em comum: a maior parte dos meus receios eram baseados no medo do desconhecido. E se há coisa que o medo odeia é o incerto. Ele aparece cada vez que entramos por caminhos desconhecidos.  O medo é como aquelas mães hipervigilantes que vão atrás do filho cada vez que este está prestes a correr algum risco, e que fará de tudo para o proteger.

A incerteza é  paralisante. Não podemos fazer planos. Não nos conseguimos preparar a 100%. Não conseguimos prever aquilo que vai acontecer. Uma vida sem riscos é uma vida mais segura, sem esta sensação aterrorizadora. Mas também é uma vida mais estúpida, sem aventura, sem amor e sem liberdade. Não é uma vida que eu esteja disposta a aceitar.

Tentei todo o tipo de estratégias para ultrapassar o medo.  Li 1822929 artigos sobre "Como ultrapassar os teus medos",  fingi que não o tinha, escondi-o no fundo das gavetas, tentei lutar contra ele, mas nunca nada resultou. Parecia que ele voltava sempre, mais forte do que antes. 

Há uma cena num filme da saga "Harry Potter" que é uma metáfora perfeitamente do meu medo. Nessa cena, o Ron, o Harry e a Hermione são apanhados por uma espécie de trepadeiras que se prendem aos seus corpos. O Harry e a Hermione depressa se libertam, mas o Ron entra em pânico e, quanto mais luta contra as trepadeiras, mais estas o prendem. Só quando ele deixa de lutar é que estas o libertam. A minha relação com o medo é assim. Só quando eu deixei de lutar contra o medo e o aceitei é que este me deixou de paralisar tanto.

Eu nunca consegui ultrapassar o meu medo porque este não pode ser ultrapassado. O meu medo nunca vai desaparecer porque ele é necessário. É o instinto de sobrevivência mais básico que eu tenho. Sem ele, eu viveria uma vida estupidamente curta. 

Nas primeiras civilizações, o medo era a chave para a sobrevivência. Com apenas algumas ferramentas básicas para se protegerem, os seres humanos recorriam aos seus instintos para detetarem uma situação de risco. Por outras palavras, recorriam ao famoso mecanismo "lutar ou fugir", que era desencadeado pelo medo, que produzia a adrenalina necessária para eles lutarem ou fugirem do perigo. As suas emoções e ações estavam bastante alinhadas naquele momento. Todavia, algo deve ter corrido mal no meio da evolução, porque agora todos nós vemos o medo como uma sensação negativa que nos impede de ser bem sucedidos. Basicamente, como um inimigo. E se o víssemos antes como um amigo?

É esta a postura que eu agora tento adotar em relação ao medo. Encará-lo como um amigo. Não como um melhor amigo, porque não lhe quero dar essa confiança, para não acabar por controlar todas  as minhas decisões como já fez demasiadas vezes. Apenas como alguém que aparece (mesmo sem ser bem vindo) para me proteger e ajudar. Alguém que não quer fazer nada de mais a não ser oferecer-me informação relevante, conselhos ou estímulos para estar mais focada. Desta forma, o medo parece menos paralisante e pode revelar ter a habilidade de me proteger, guiar e ajudar a seguir em frente.  

Não é uma relação fácil. O medo ainda aparece nos momentos mais inesperados, e ainda me deixa atrapalhada. Mas, como todos os relacionamentos, tem que ser trabalhado todos os dias. Principalmente porque, quer eu queira quer não, eu e o medo vamos caminhar lado a lado para o resto da vida, portanto é bom que nos entendamos. 


( Publicação inserida no Desafio 1+3)

36 comentários:

  1. Adorei conhecer o teu ponto de vista! Espero que continues a cultivar uma relação pacífica e saudável com os teus medos e que consigas viver uma vida plena, feliz e cheia de aventuras apesar deles :)

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  2. Que texto lindo, babe <3 Eu sou muitas vezes comandada pelo medo, medo este criado principalmente pela minha ansiedade. Não é nada fácil, tal como narras, mas tal como tu tento também encará-lo como um amigo, mas não é mesmo anda fácil :/
    Beijinhos,
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    1. Obrigada <3. Bem sei o quão terrível pode ser a ansiedade.

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  3. Adorei a associação que fazes com a cena do Harry Potter. Adorei a referência à evolução humana. Adorei o facto de vermos o medo como um amigo - realmente é algo que vai estar sempre presente, quer queiramos, quer não, e tens toda a razão quando dizes que é necessário. Mas é engraçado, porque nunca tinha pensado nessa questão de o vermos como um amigo. Gostei muito da maneira como abordaste esta questão. Enfim, adorei toda esta reflexão :)

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    1. Ajuda pensar nele desta forma, em vez de ser o inimigo, não é tão aterrorizador.
      Oh, muito obrigada pelas palavras queridas <3.

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  4. Por mais que lutemos por vencer os nossos medos, eles voltarão a aparecer. E ainda bem! Porque isso é sinal de que estamos a avançar, a arriscar e a permitir que o desconhecido não se apodere totalmente de nós. Claro que esta relação nem sempre é fácil, precisamente, pelo facto de o medo ser paralisante, mas acho que é ao aceitarmos que ele faz parte de nós, que o conseguimos moldar.
    Mesmo que nos pareça limitador, o medo faz parte da nossa existência. É a forma como lidamos com ele que nos atrasa ou nos faz seguir.

    Beijinhos

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    1. É sinal que estamos a arriscar e viver a vida, concordo :).
      Beijinhos

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  5. Gostei de ler esta publicação,também sou pessoa de muito medos. :))


    Hoje, do Gil António:- Lágrimas tristes sem dono

    Bjos
    Votos de uma óptima Terça -Feira

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  6. Gostei de ler o teu post e, de certa forma identifico-me com ele.
    Para mim, o melhor é ignorar, não dar importância ao medo se não ele acaba por nos controlar...

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    1. Obrigada :).
      Cada um tem as suas estratégias, desde que resultem, é o que interessa :).

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  7. Este texto poderia perfeitamente ter sido escrito por mim! Sei bem do que falas, eu tinha medo de imensa coisa e agora que me convenci que não vale a pena sofrer por antecipação e ignorar o medo, tenho vivido cada vez melhor!

    http://cidadadomundodesconhecido.blogspot.com/

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  8. Que texto maravilhoso. Sem medos :) faz parte de sermos humanos. E o melhor é mesmo aceitá-lo, registá-lo, avaliar a situação e racionalizar - e parabéns por seres forte e o teres como um amigo a quem só dás ouvidos quando achas razoável!

    Jiji

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    1. Obrigada :).Não sou assim tão forte como gostaria de ser, mas faço o melhor que posso.

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  9. Identifiquei-me tanto com este texto, mas ao contrário de ti, ainda não o controlo muito bem.

    beijinho
    The Midnight Effect / Instagram

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    1. Este texto não significa que eu o controle bem a 100%, tem dias, há dias melhores, outros piores, mas é esta a minha estratégia agora :).
      Beijinhos

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  10. Que excelente reflexão sobre o medo, Cherry :) Eu gostava de olhar para o medo da forma como tu agora olhas, mas sou incapaz. O medo limitou-me tantas vezes que agora simplesmente o ignoro (para já tem corrido bem). Não importa quantas vezes ele invade o meu corpo e me dá sintomas físicos, eu sou mais forte e consigo mais. Mas para isso tenho que lutar contra ele.
    Mas depende do medo, claro está. Há situações em que não tenho qualquer problema em abraçá-lo :)
    Beijinhos

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    1. Obrigada <3.
      Se essa estratégia funciona bem para ti, é o mais importante :). É mesmo isso, tu és mais forte do que ele, só tens que acreditar
      Beijinhos

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  11. Que texto maravilhoso! Concordo contigo, o medo é algo necessário, o instinto de sobrevivência mais básico que temos... e gostei da perspectiva do medo como um amigo, que está lá para nos "avisar" e ajudar. Parabéns pelo texto, está incrível!

    Beijinhos,
    Ensaio Sobre o Desassossego

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  12. Adorei o texto... como o compreendo, a minha relação com o medo não é a melhor, e leva-me a tomar decisões por vezes radicais, mas é uma constante aprendizagem.:)
    Beijinhos e obrigada pelo comentario,
    Anita On

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  13. Acho que nunca tinha conhecido alguém com um ponto de vista do medo como tu. Uns trazem a ansiedade no peito e tu trazes o medo; cada um nasce com os seus problemas e com as suas soluções.
    Fico feliz por a história ter tido uma reviravolta e que agora a tua relação com esse monstro seja mais branda. Eu também tenho medo de muitas coisas e às vezes aperta no coração, mas são coisas com as quais temos de viver, mas primeiro, aceitar.

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    1. Acredito que não me tenha safado da ansiedade,acho que muitas vezes está ligado ao medo.
      Aceitar é sempre o primeiro passo para lidar melhor com as coisas.

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  14. Adorei o teu texto. O medo por mais que digamos que não, ele existe em nós.
    Cada um com o seu, eu não sei bem de que tenho medo, talvez tenha medo nde sofrer se ficar doente, de acontecer alguma coisa aos meus filhos e um pouco medo do inesperado. Mas não luto contra isso, o que for será. Na hora vejo como resolvo...

    Beijinhos.
    Sandra C.
    bluestrass.blogspot.com

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    1. Obrigada :). Não dá para negar.
      Tem que ser mesmo assim, um dia de cada vez.
      Beijinhos

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  15. Muito bem. Eu acho uma coisa estúpida as pessoas não assumirem o medo. - "Ai eu nunca tive medo, tenho é receio". Tretas. Só nunca teve medo quem nunca se viu na tal situação em que só temos duas saídas: fugir ou lutar. Talvez uma terceira: fugir, lutar, ou morrer.
    Não acho que seja vergonha ter medo, pois como disseste, o medo é, talvez, o nosso instinto mais básico de sobrevivência. Sem medo não duraríamos mais do que o tempo necessário para encontrar a morte. A morte nas suas diversas formas. Íamos para uma batalha e morríamos no primeiro segundo.
    Eu já tive muito medo. Já passei por situações que me deixaram a "bater mal". Hoje chamam-lhe stress pós traumático, mas naquela época eu nem sabia o que era stress. E ainda tenho muito medo. Tenho medo de que o cancro um dia se lembre de regressar. Tenho medo da solidão na velhice. Tenho medo deste mundo em que até o tempo está cada dia mais imprevisível, tenho medo de terramotos (lá está o stress pós traumático de ter sentido o maior dos últimos 200 anos, quando morava numa cave). Não tenho medo de trovoadas. Nem medo, nem "receio", como a maior parte dos medrosos gostam de classificar o medo. xD

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    1. É ridículo dizerem isso, até porque receio e medo são sinónimos.
      Parece-me que já passaste por muito na vida e que conheces o medo muito melhor do que eu. Mas suspeito que isso também te tenha tornado mais forte, sobretudo porque aceitas o medo em vez de os esconder como muitos.

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  16. Gostei muito de ler a tua publicação e da forma como abordaste a tua relação com o medo.
    É certo que o desconhecido assusta, afinal, foge de tudo aquilo que conhecemos e difere de tudo que já vivemos, por isso, ter medo não nos faz mais fracos, pelo contrário. Ter medo é totalmente válido.
    O importante é aprendermos a lidar com ele, como tu tens as tuas estratégias, eu tenho as minhas e desde que elas funcionem, está tudo bem. O medo pode realmente ser um amigo, porque nos alerta e nos faz ter cuidados que são necessários. Desde que não nos limite e saibamos viver com ele, não deixando que ele nos impeça de viver. Não deixarmos de ir em frente e arriscarmos!
    E acreditar, que o que o mundo tem de desconhecido, também tem de surpreendente e isso é fantástico :)
    Continua assim <3

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    1. Ter medo, muitas vezes, é sinal que estamos no caminho certo, o medo não aparece quando estamos na nossa zona de conforto.
      Exatamente, o encanto desta vida está no desconhecido, mesmo que este também assuste :).
      Muito obrigada <3.

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  17. O que mais apreciamos quando vemos a educação de uma criança é o deixar que ela conquiste o mundo. É esperar até que caia para dizer que tem que se levantar, que não é nada e continuar até cair outra vez e repetir o processo. No outro dia, uma prima, levou a pequena para ao pé de um cão também da família. Ela nunca tinha conhecido um cão e nós estávamos reticentes. Estranhámos que a mãe não. A filha muito menos. Ficaram logo amigos, de imediato. E nós dissemos que é estranho que o cão se tenha aproximado da criança e a mãe não o tenha feito, em jeito de protecção, ao que a mãe disse" não se pode ensinar com base em medos. O cão não lhe faria mal e ela não tem que ter medo". Achámos que era uma inspiração, para quem sabe, um dia... sermos tios! ahahah

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    1. É, sem dúvida, algo que deve ser muito valorizado na educação. Proteger demasiado as crianças pode ter o efeito contrário ao desejado, ou seja, prejudicá-las.
      Essa mãe é mesmo um exemplo. Outra qualquer teria desviado a filha do cão. Acho que vocês vão ser uns tios incríveis :).

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  18. Foi muito legal e lindo te ler,Crerry! Conviver com nossos medos é fogo! Mas não conseguimos viver sem eles! Gostei! beijos, tudo de bom,chica

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